Irmãos do Sagrado Coração
Home
O pequeno montanhês de La Motte (3° Parte)
26/08/2018 - O pequeno montanhês de La Motte (3° Parte)
Paradis, 24 de junho de 1855


Quanto a mim, nos passos dos pastores, meus antepassados, ainda mais porque era costume dos jovens camponeses, comecei muito cedo a cuidar do rebanho, nas montanhas. Nós vivíamos na aldeia e não éramos ricos, meus pais tinham uma vaca e algumas ovelhas. Mas era costume reunir os animais dos visinhos. Meu avô, que vivia em Les Héritières, uma aldeia a apenas um quilômetro de La Motte, tinha um grande rebanho, e eu tomei conta desde a idade de sete anos.
 
Levantava cedo, ia como coroinha à missa do pároco, pois a Igreja não era longe de casa, bebia um copo de leite e comia um pedaço de pão. Colocava na minha mochila uma maça, um pedaço de pão e a jarra de água que minha mãe havia preparado e me dirigia, com os animais,, em direção à casa dos avós para juntar o rebanho deles e ir para o Rochedo dos L’ Aire.
 
Quando eu tinha cinco ou seis anos, não me lembro muito bem, meu pai me ensinou a ler. Foi uma satisfação ler a vida dos santos o  livro de orações de meu pai. Tivemos também uma pequena biblioteca, em casa, composta na maior parte, com livros de piedade, de ascese e alguns livros clássicos. Acabei por conhecer quase todos de cor.
 
Quando o tempo estava bom, meu pai permitia que eu levasse um livro ao campo. Aproveitava para ler aos meus companheiros uma vida de santo e por isso eu recebi o apelido de “Piedoso”. Alguns não tinham paciência, sobretudo quando eles já conheciam a história. Eles preferiam ir brincar. Mais tarde, o pároco também me emprestou livros.
 
Em 1810, já existia uma escola permanente em La Motte, o que era raro no interior da França. “Nas altas montanhas, onde o inverno durava até oito meses, horas e horas eram dedicadas ao estudo, liderado pelos mais instruídos, muitas vezes pelo pároco.”
 
O costume era educar no que se chamava dias curtos, ou seja, o inverno, e trabalhar no campo nos dias longos, o verão. Por isso no inverno eram férias para nós, os pequenos camponeses, porque o rebanho ficava no estábulo ou recinto. O pároco reunia alguns jovens para ensinar o cálculo, a leitura e a escrita. Eu achava isso maravilhoso. De volta a casa, repassava tudo isso. Não tínhamos papel, mas meus avós me deram uma lousa pequena que era rapidamente reenchida; eu apagava e recomeçava.
 
Havia também um costume em nossa região: “aproximando-se o inverno, os mais letrados dos homens iam, às regiões com um clima menos frio, para ensinar como professores missionários”. Em troca, esses professores recebiam alojamento e alimentação.
 
Quando me encontrava sozinho, eu repetia de maneira ingênua, às minhas ovelhas, o que havia escutado dos adultos ao sair da missa do domingo. Falava às minhas ovelhas de Napoleão Bonaparte e de suas conquistas, como também de toda essa gente que a guerra havia separado de sua família e de seus filhos.
 
O pároco também nos dava lições de catecismo preparando-nos para a Crisma e Primeira Eucaristia. Eu fui coroinha bem antes de ter o direito de comungar. Creio que foi o dia mais bonito da minha infância quando, pela primeira vez, fui comungar com meu pai e minha mãe.
 
No almoço, minha mãe preparou uma refeição especial e meus avós foram convidados. Minha avó me deu de presente uma estátua da Virgem Maria que já havia visto no quarto dela, nos Héritières. Não era uma estátua nova, pois ela tinha o nariz e a ponta dos dedos levemente quebrados. Minha avó me disse que fui eu que deixei cair a estátua, quando pequeno, e acrescentou que na ocasião eu havia chorado muito por ter quebrado a estátua.
 
Agora, esta estátua me acompanhava sempre que pastoreava o rebanho. Embrulhava-a cuidadosamente num pano como proteção antes de colocá-la na mochila. Na montanha juntamos algumas pedras para fazer um tipo de monumento que chamamos de oratório e depositamos a estátua da Virgem Maria para rezar. Ainda me lembro de uma pequena canção que ingenuamente compus e cantávamos à Virgem:
 
Sobre o rochedo do Aire,
Que nos aproxima dos céus.
Dirijamos nossas orações,
À mãe de Deus!
 
Pastores desta montanha,
Venham todos ajoelhados.
Frente a este oratório,
Rezar a rainha dos céus!
 
Pouco depois da minha primeira comunhão, ao sair da missa, ainda na sacristia, me aventurei ao expressar ao pároco o meu desejo de ser padre. Ele pegou minha cabeça entre as mãos e emocionado me disse: “Meu pequeno Politu, tenho certeza de que você seria um bom padre, mas seus pais certamente não poderiam pagar os seus estudos; você sabe disso e sabe também que não é culpa deles, pois seu pai trabalha duro, mas tornar-se padre custa muito caro. Continue a rezar para que o bom Deus ajeite isso tudo.” Fiquei triste com essa resposta, mas sabia que ele estava com a razão. Com o passar dos anos andei me perguntando se ele alegou a pobreza dos meus pais ou se, na verdade, ele achava que eu tinha uma saúde muito debilitada.
 
Geralmente, quando um rapaz chegava aos trezes ou quatorze anos, não ia mais como pastor durante o verão, mas trabalhava nos campos com os pais para provisionar o celeiro e ter suprimento de madeira e legumes para o inverno. Quando cheguei a esta idade, pensei que ia ser assim pra mim também, mas meu pai, que me amava, havia compreendido que eu não tinha estrutura física para estes trabalhos no campo. Desde minha infância, várias vezes eu adoeci e eu não tinha uma forte saúde. Quando eu ia ao campo com meu pai e demais adultos, eu não conseguia acompanhar o ritmo deles. Nunca escutei uma reflexão negativa a meu respeito, pois eu fazia tudo o que era possível para mim. Cheguei a desmaiar no trabalhando.
 
No domingo, após a missa, as pessoas permaneciam nos degraus da igreja discutindo as últimas notícias da redondeza. Quando um visitante estava passeando por aqui ele era logo questionado sobre as guerras napoleônicas, muitos querendo notícias dos homens que estavam a frente da batalha, também falavam de tudo e de nada.
 
Num domingo, eu me lembro, um dos moradores disse a mim na frente de todos: “Tu, Politu, deverias continuar cuidando do rebanho para ensinar a ler, contar e escrever os mais novos!” Todo mundo aprovou a ideia e meu pai em primeiro lugar. Fiquei muito satisfeito porque eu senti, nas minhas orações, que era uma sugestão do bom Deus. Penso que eles viram nos meus olhos que eu estava muito contente ao ouvir isso. A partir daquele dia eu continuei cuidando do rebanho com os jovens.
 
Eu paro por aqui, meu querido irmão Patrik, porque está ficando tarde e eu preciso ventilar meu quarto antes de deitar, pois a vela de sebo exala um cheiro e tanto. As velas de cera dão um desempenho muito melhor, mas elas custam caro de mais para nós.
 
“Busque progredir nos caminhos da perfeição” e “seja a pedra angular dessas crianças” que o bom Deus lhe confia. “É um depósito sagrado que Deus coloca em suas mãos”. “Cada um dos seus alunos é uma alma resgatada pelo sangue de Jesus Cristo!”
 
Não se esqueça de mim nas suas orações e guarda só para você essas palavras minhas, Até logo!
 
Irmão Policarpo.



Links
Div Sede Provincial
Rua São Vicente de Paula, 364 . São Paulo-SP - CEP 01229-010 . Tel 11 3662.6188
Email: provinciadobrasil@gmail.com
  © 2014 IRSC - Instituto dos Irmãos do Sagrado Coração. Todos os direitos reservados.